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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

EDLENE FREIRE

 


Natural de Arez, cidade potiguar com pouco mais de 14 mil habitantes, Edlene Freire tem 40 anos e faz parte do quadro de árbitras assistentes da FNF e CBF. Criada e registrada pelos seus avós maternos, teve uma infância tranquila, apesar das dificuldades da época. Seu Clóvis Batista e dona Elita Freire eram agricultores e ambos já faleceram, mas seus ensinamentos permanecem com Edlene e seus três irmãos, Edileide, Aline e Alison

A criação foi pautada pelos ensinamentos da Assembleia de Deus, da qual eram adeptos. Por isso, em alguns momentos, as posturas eram um pouco rígidas, em acordo com os preceitos religiosos professados pela família. “Eles foram casados por mais de 60 anos e, às vezes, pegavam no meu pé”, conta

Edlene gostava muito de correr e futebol nunca foi o seu esporte escolhido. “Não sabia nem chutar uma bola direito. Era muito magrela, pesava 52 kg na época e minha vida era jogar voleibol”, diz. Com 13 anos, a adolescente jogava escondido do avô, porque a religião praticada pela família não permitia que ela praticasse esportes. “Minha avó, por muitas vezes, teve que me buscar no campo de areia com um chicote e eu tendo que correr. Meu avô era do Ministério e tinha que dar exemplo. E em relação a isso, sofri um pouco. Hoje, já está muito diferente”, diz

Esse amor pelo vôlei era tão grande que Edlene sonhava em ser atleta profissional. Aos 18 anos, veio para a capital do estado cursar Geologia e Mineração no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), então conhecido como Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica). No entanto, seu primeiro vestibular foi para Radialismo e a área da Comunicação ainda é um ponto de interesse para ela. Quando adolescente, por influência de seu irmão caçula, Alison, acabou voltando o seu olhar para o futebol. Anteriormente, não frequentava estádios, nem apoiava qualquer time

“Foi algo que nunca passou pela minha cabeça até por volta dos 15 anos, quando ele veio para Natal participar de um teste e começou a jogar pelo Alecrim Futebol Clube na categoria de base. Eu já virei fã dele e torcedora do Alecrim”, explica. O irmão foi, então, emprestado para o ABC e viajou a São Paulo para jogar a Copa SP de Futebol Júnior, onde se destacou por lá e, quando voltou, subiu para o time profissional do Alecrim. “Até então, eu acompanhava na torcida, xingava arbitragem e todo mundo porque eu só via meu irmão como a estrela. Eu tinha ele como referência”, comenta.

PAIXÃO INESPERADA

Em um sábado qualquer, morando em Natal com Alison, Edlene lembra de assistir a um programa esportivo, que apresentou uma matéria sobre mulheres na arbitragem. Aquilo imediatamente lhe chamou a atenção. “Sou uma pessoa que sempre gostou muito de desafios. Olhei assim e disse: ‘Que legal, essas mulheres superempolgadas dando entrevista e se destacando. Vou fazer esse curso’”. O irmão, inicialmente, foi contra. Disse que não ia dar em nada, que era um ambiente de muito assédio. “Eu já conhecia uma pessoa que era assistente de futebol da Federação aqui em Natal e rodava o país também. Falei com ele que queria entrar na área para ser árbitra central e que me avisasse quando abrissem as inscrições”, recorda

Em 2011, entrou no curso de formação sem muita perspectiva profissional, pois sua ideia inicial era chegar à arbitragem para ter contato com empresários do ramo e membros da imprensa, no intuito de fazer seu irmão crescer profissionalmente. A sala só contava com três mulheres e, dentre elas, foi a única que seguiu na área. Também nesse momento, a situação de Alison no futebol já estava bem complicada, com seus altos e baixos, devido à falta de oportunidade e incentivo

Alison explica que ficou com medo. Por ser jogador, sabia os tipos de piadas e comentários que eram feitos nos bastidores desse universo majoritariamente masculino. “Na época que ela começou o curso, achei um pouco estranho. Atuava profissionalmente e não era comum

ver mulheres na arbitragem. Logo no início, até pedi para ela não continuar, porque era algo raro mesmo, mas vi que era o foco e objetivo dela. Hoje, tenho a certeza de que é uma das melhores do nosso estado. Tenho orgulho do que ela se tornou”, comenta.

O começo das atividades foi tranquilo. Desde os 16 anos, Edlene faz musculação e seu porte físico ajudou na parte prática do curso. A teoria foi uma dificuldade, precisando redobrar o estudo das regras do futebol. Na hora de decidir sua posição, as experiências com o apito mostraram que se sentia mais confortável na linha. Dessa forma, optou por focar na “bandeira”, expressão que comumente se refere aos assistentes de arbitragem. Sobre essa fase, Edlene é bem sincera: ainda não gostava muito do curso e estava fazendo “por fazer”

Quando terminou a formação em 2012 e passou a estagiar, as dúvidas continuavam presentes. Ainda insegura sobre a atuação, os jogos no Juvenal Lamartine e a presença da torcida mexeram com Edlene. Até então, revela que ninguém, além do seu avô, a apoiava nessa nova empreitada. “Ele sempre ficava na dele, calado, mas eu sentia que ele tinha orgulho de mim. Mesmo em jogos de base, ele já conseguia escutar o meu nome no rádio”, diz. O irmão continuava falando que não ia dar certo. “Comecei a achar que ele tinha razão. Se você me perguntar como foi que eu não larguei mais, não vou saber te responder. Acho que foi uma paixão que veio sem perceber. Quando me liguei, já estava encantada”, explica.

Seu primeiro jogo profissional foi na cidade de Goianinha, no estádio José Nazareno do Nascimento, mais conhecido como Nazarenão, entre Palmeira e Corinthians de Caicó. “Foi uma noite tensa, um desastre. Quando saiu a escala, três dias antes, já não conseguia mais dormir. Quando eu estava na linha de impedimento, o professor que foi me avaliar ficava por trás dizendo, ‘Edlene, pelo amor de Deus, você está errada’, e eu me tremia todinha pensando ‘O que eu estou fazendo aqui?’”, conta. A tensão foi tanta que Edlene teve câimbra na perna, mas conseguiu finalizar. “Não teve nenhum erro que prejudicasse alguma equipe, só que fiquei bem nervosa mesmo”, relembra.

Em 2014, foi convocada para fazer o teste da CBF, inicialmente para trabalhar no quadro feminino. No ano de 2017, depois de um longo preparo, passou a integrar também o quadro de arbitragem para a modalidade masculina, podendo atuar em mais campeonatos promovidos pela Confederação. Desde então, não parou mais. “Foguete não tem ré”, brinca. Como forma de se manter nesse nível, Edlene treina todos os dias em preparação para os constantes testes exigidos pelas entidades.

DOAÇÃO

Depois de tantas incertezas e desafio, hoje, Edlene diz aos quatro ventos o quanto ama sua profissão. Porém, é muita responsabilidade, e um bom preparo físico e psicológico é primordial para lidar com todas as influências no momento do jogo. Essas exigências são testadas por um motivo: com elas, é possível administrar melhor sua performance, principalmente quando há algum erro em um lance que acaba interferindo no resultado do jogo, seja um impedimento não marcado ou uma falta equivocada que leva a gol.

A escalação de árbitros é papel da comissão técnica estadual e é feita por meio de audiência pública, momento em que a capacidade técnica e a física dos profissionais são avaliadas para determinado jogo. Isso significa dizer que a aprovação para o quadro não necessariamente garante a atuação profissional, sendo regida por decisões que estão nas mãos de poucos.

“Temos que estar sempre preparadas para tudo, nunca se sabe quando uma oportunidade pode aparecer”, diz, atenta. Hoje, a família apoia Edlene e já compartilha várias postagens sobre ela em redes sociais. “É um trabalho em que precisamos abdicar de muita coisa, inclusive se afastar um pouco da família, porque atuamos no final de semana. Já passei datas comemorativas longe dos meus avós, distante do meu filho Miguel, de oito anos, mas faz parte”, relata.

Para ingressar no quadro da CBF, o árbitro precisa ser escolhido e encaminhado pela comissão técnica estadual. Logo em seguida, é necessário enviar vários documentos exigidos pela Confederação, que comprovem sua autenticidade. Também é obrigatório ter um número mínimo de dez jogos profissionais em seu estado.

Realizados a cada três meses, os testes acontecem da seguinte maneira: o primeiro é chamado de “Habilitador” (habilita para a temporada) e é composto por prova teórica e testes físicos (FIFA TEST e de composição corporal). O segundo é chamado de “Mantenedor”, com uma nova cobrança do teste de composição corporal e a prova física. Por fim, o “Verificador” abrange testes complementares de campo e uma avaliação corporal

No momento, Edlene foi escalada para trabalhar na Série D do Campeonato Brasileiro, mas tem habilitação para todas as competições nacionais. Esses convites dependem da comissão técnica vigente. Para ela, a situação é bem difícil. “Não vou dizer que é pelo fato de ser mulher, para dizerem que é ‘mimimi’, mas eu acho que hoje muita coisa mudou. As mulheres têm oportunidades, mas eu falo por mim”, comenta.

Desde que entrou na CBF, foram poucas as oportunidades que teve. “Estou habilitada e capacitada com as demais, só que, infelizmente, ainda não tive as chances que muitas tiveram. Mas é aquilo, né? Temos que estar preparadas para o que vier. Desmotiva um pouco, fico meio cabisbaixa, mas é manter o foco e disciplina”, desabafa.

Edlene avalia o cenário atual como positivo em relação ao interesse e à recepção no meio do futebol nacional. “Hoje, há mulheres atuando toda semana nas Séries A e B do Brasileiro, vejo que temos muitas bem motivadas. Isso instiga quem deseja ingressar na profissão. Recebo mensagens que me levantam e tenho o objetivo de chegar à segunda divisão do Brasileirão”, adiciona.

profissionais, menciona a estreia na Série D, que aconteceu em Recife, em 2019, bem como na Copa do Nordeste em 2022, em jogo realizado na Bahia. Sobre a partida do campeonato estadual entre Assu e Potiguar, com o trio totalmente feminino, Edlene comenta que foi um de seus melhores jogos.

“Me senti tão responsável por essa partida e foi uma arbitragem tão gostosa! Eu pensei, ‘Cara, eu vou doar muito’. Sabia da pouca experiência de Mari e disse ‘Vou apitar com ela!’. Já a Luciana, é muito experiente. A gente comenta até hoje que foi um dia magnífico. Fiquei surpresa pela escala e mais feliz ainda por Mariana, porque foi um feito histórico aqui no RN”, finaliza.

FONTE - HTTPS://REPOSITORIO.UFRN.BR/BITSTREAM


EDLENE FREIRE

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